Eu não lembro quando isso começou, mas eu tenho uma obsessão muito grande com etimologia e histórias das línguas. Lembro que na pandemia, quando eu era muito desocupado, eu passava horas lendo sobre história da língua inglesa na wikipedia. Aprendi muita coisa nova, principalmente porque não fazia ideia da existência do inglês antigo, que era uma língua escrita em runas, com gêneros gramaticais, conjugações verbais extensas, algo bem diferente do inglês atual.
Ontem, em mais uma noite de insônia, eu comecei a pensar de novo sobre o inglês. O inglês antigo quase não tinha influência do latim e do francês e seu vocabulário era majoritariamente anglo-saxão. Foi só com a invasão da Inglaterra pelo exército Normando que a língua inglesa começou a adotar extensivamente vocabulário de origem francesa e, através do desenvolvimento científico, palavras de origem latina.
Hoje em dia, o vocabulário do inglês é majoritariamente composto por palavras que não são de origem anglo-saxã, porém, as palavras mais usadas no dia a dia são palavras de anglo-saxã. Os pronomes, artigos, numerais são todos de origem anglo-saxã. Algumas palavras tem pares, como folk e people, que são “sinônimos”, mas folk é de origem anglo-saxã e people de origem francesa.
Enfim, como falante nativo de uma língua latina, eu gosto de experimentar com o inglês, portanto sempre tento maximizar o uso de vocabulário anglo-saxão nas vezes que eu escrevo textos na língua. E, por isso, sempre me pego pensando quais são alternativas a palavras latinas no inglês.
Na última madrugada, eu fiquei pensando na palavra “destino” em inglês. A primeira palavra que vem a mente é, obviamente, destiny, mas também há a palavra fate. Sempre associei fate com um vocabulário mais inglês, porém fate na realidade tem origem no latim fatum. Foi aí que eu pensei: “nossa, qual será a palavra anglo-saxã para destino? ela com certeza deve existir, não é possível que os falantes de inglês antigo não tinham necessidade de falar sobre o destino”. Mas pensei “ah, já está tarde, amanhã de manhã vejo isso”.
Eu não consegui dormir. Fiquei pensando sem parar nisso, e só fui relaxar quando abri o wiktionary para descobrir. Aprendi que a palavra anglo-saxã para destino era wyrd, mas foi substituída pela palavra de origem latina fate. Curiosamente, wyrd deu origem à palavra weird, que é utilizada no inglês atual. Não sei dizer exatamente como a mudança de sentido ocorreu, mas é curioso.
Por falar em wiktionary, eu passo bastante tempo nesse site. É um site do mesmo projeto da wikipedia, que tem objetivo de ser um dicionário livre. Sinceramente, a parte que eu menos me importo é o dicionário em si, mas eu adoro que quase todas as palavras tem suas origens etimológicas.
Caso você não saiba, todas as línguas indo-europeias tem a mesma origem em comum, ou seja, vieram da mesma língua. Línguas como russo, português, hindi, farsi, italiano, inglês, alemão: todas essas tem um ancestral comum. Essa língua que deu origem a todas essas outras é chamada de proto-indo-europeu, uma língua que não é atestada, ou seja, não há registros escritos dela, e ela foi reconstruída através do método comparativo. Esse método analisa as mudanças de sons na língua e reconstrói um suposto ancestral comum das palavras.
Geralmente, as mudanças linguísticas acontecem seguindo regras. É bem famosa a Lei de Grimm uma lei que explica várias das mudanças fonológicas do proto-indo-europeu para as línguas germânicas, como o inglês. Por exemplo, enquanto as línguas itálicas preservaram o som de K, esse som se transformou em um som aspirado representado por H. As palavras hundred e cem são cognatas, possuindo a mesma origem em comum, já que centum, a palavra latina, tinha esse som de k (pronunciada kentum).
Uma coisa que eu adoro é analisar a Lei de Grimm para tentar achar palavras cognatas. Uma das que eu tinha percebido a semelhança e depois pesquisado para confirmar é a palavra carro e a palavra horse. Sim, elas tem a mesma origem, e a diferença entre as palavras é explicada pela Lei de Grimm.
Saindo um pouco do inglês e indo para a nossa língua, é bem legal analisar as mudanças de som do latim para o português. Por exemplo, uma das mudanças que ocorreram no latim foi que os sons pl, cl e fl viraram ch no português. Exemplos são flamma -> chama, pluvia -> chuva, clamare -> chamar.
Às vezes, me pego pensando em algumas dessas regras, como por exemplo na palavra planta. Eu sabia que a palavra era de origem latina, por causa do nome do reino Plantae. Então, seguindo a evolução natural, não deveriamos falar chanta? E sim, existe a palavra chanta, mas ela foi abandonada no português e foi preferida a forma latina planta.
Outro exemplo que gosto muito é a palavra flor. Na evolução natural do latim para o português, a palavra flor se tornou chor, seguindo a regra discutida anteriormente. Porém, ela foi relatinizada como flor e essa se tornou a forma padrão. Entretanto, essa palavra sofreu rotacismo, e se tornou fror. Daí, a palavra foi relatinizada de novo e temos a forma flor hoje em dia. No entanto, a forma chor ainda deixou marcas no vocabulário da língua portuguesa, dando origem à palavra chorume, que é utilizada até hoje.
Rotacismo é algo muito legal também, adoro quando escuto pessoas que falam com rotacismo, como incrusive, pranta etc. A palavra prato, por exemplo, vem de um rotacismo da palavra latina plattus. Ao contrário de fror, essa se tornou a forma padrão e não foi relatinizada. Curiosamente também, se você aplicar a regra de pl -> ch, você verá que a evolução natural da palavra plattus é chato. Sim, prato e chato tem a mesma origem etimológica, e até que faz sentido se considerar que prato é um objeto achatado.
Em 2023, na feira do livro que acontece todo ano na minha universidade, comprei o livro Latim em pó: Um passeio pela formação do nosso português, por Caetano W. Galindo. Ele conta a história do português brasileiro desde o latim, até às influências ibéricas e às influências africanas e indígenas na nossa língua. É um livro bem legal e introdutório sobre a história da língua portuguesa que recomendo para interessados no assunto.

Enfim, acho que está bom de dump de assuntos por hoje. Provavelmente quando eu passar mais uma noite de sono sem dormir por causa de etimologia escreverei mais um texto sobre o assunto, mas até lá, fico por aqui.
Última modificação em 2025-08-28