Em 2024, eu assisti ao filme São Paulo Sociedade Anônima e logo virou um dos meus filmes brasileiros favoritos. Nesse último domingo, tive a oportunidade de reassistir ao filme em um cineclube da minha cidade, dessa vez com direito à tela grande e também a uma discussão. Ouvi alguns comentários bem legais sobre o filme e desenvolvi algumas ideias que gostaria de compartilhar por aqui.

São Paulo Sociedade Anônima é um filme que conta a história de Carlos (Walmor Chagas), um jovem de classe média que tenta ganhar a vida em São Paulo. Ele é um homem que se relaciona com muitas mulheres, de maneira bastante superficial e movido a interesses, além de ser uma pessoa bastante tóxica. Ele trabalha na indústria automobilística de São Paulo, como um inspetor de qualidade, vendedor e quase sócio da empresa em que trabalhava.
O longa-metragem é, acima de tudo, um retrato da consequência da rápida industrialização do Brasil e também do impacto disso sobre os indivíduos. Ele foca bastante no drama existencial de Carlos: um homem de classe média que tenta atingir os sonhos vendidos para ele, mas que quanto mais ele tenta alcançá-los, mais infeliz ele fica.
Uma das coisas que me chamou a atenção nesse filme é a sua montagem. No filme, vemos uma montagem dinâmica, que não necessariamente se importa com a ordem dos fatores ou com alguma linha do tempo linear. Nós assistimos a ele se relacionando com várias mulheres, com cortes bruscos, que realçam como todos aqueles relacionamentos são vazios e iguais. É sempre a mesma história, com os mesmos comportamentos tóxicos etc.
São apresentadas situações repetidas mas com sutis diferenças entre elas. Lembra bastante a música Construção do Chico Buarque, que também se utiliza da repetição com pequenas diferenças para realçar a repetição daquele cotidiano e tecer uma crítica. Assim, a montagem reverbera a industrialização crescente de São Paulo, mostrando como até a vida do personagem segue o mesmo ritmo industrial de automatização e repetição.
O filme também utiliza do seu protagonista como uma forma de expor a hipocrisia da classe média. Carlos não se enxerga como um membro da classe trabalhadora, acreditando no mito da meritocracia, como se ele pudesse se tornar um burguês. Tanto que ele ajuda na opressão da classe trabalhadora. Por exemplo, o filme mostra em uma cena que Carlos esconde do ministério do trabalho funcionários não-regularizados da fábrica em que ele trabalhava.
Carlos tenta alcançar o sonho vendido de felicidade para a classe média: ter uma família, casa própria e emprego bom. Porém, quanto mais ele tenta alcançar esse sonho, maior sua infelicidade. Ele tenta alcançar esse sonho a todo custo, afirmando, por exemplo, que casou com sua esposa por não ter uma opção melhor.
Esse drama existencial vem carregado de muita poesia. Várias vezes, ouvimos monólogos de Carlos, reclamando da sua existência, daquela vida repetitiva e miserável. Um dos mais marcantes do filme é um em que ele destaca o quanto ele precisa recomeçar: recomeçar novos relacionamentos, recomeçar novos trabalhos, começar, recomeçar e aceitar aquela rotina angustiante.
Ou seja, em São Paulo, não apenas o trabalho é automatizado e padronizado, mas a vida também é.
Outra coisa que gosto bastante desse filme é que a própria cidade de São Paulo é um personagem. Muitos planos são construídos através dos personagens demonstrados como pequenos e insignificantes perto da grandiosidade dos prédios de São Paulo. A cidade é construída como uma força opressora presente em todo os momentos do filme.
Em uma das cenas, Carlos encontra uma de suas antigas amantes, a Hilda, que tinha saído de São Paulo para morar em uma fazenda. Devido a algumas circunstâncias de sua vida, ela teve que voltar a morar em São Paulo. Ao revelar isso para Carlos, vemos um dos planos mais lindos do filme:

Hilda está à frente do plano, onde vemos apenas sua silhueta em preto, enquanto a cidade de São Paulo está ao fundo completamente visível. Hilda perde toda a sua individualidade: ela é apenas mais uma pessoa qualquer frente a essa cidade. Essa construção lembra bastante filmes de terror, onde há essa figura opressora no fundo, com a personagem apenas à mercê de sua vontade. Nesse caso, a cidade representa o próprio capital, uma força opressora impossível de se escapar.
São Paulo Sociedade Anônima é um filme que trata da rápida industrialização da cidade de São Paulo, mas atinge um caráter universal, pois trabalhadores de qualquer país vivendo em uma metrópole capitalista em desenvolvimento passaram pelos mesmos dramas existenciais de Carlos. É um filme que ainda é muito atual, tratando dos problemas e dos sonhos que são empurrados para nós até hoje.
Última modificação em 2025-10-21